Rua XV de Novembro, nº 223 - Vila Arens, Jundiaí/SP
contato@sutti.com.br | (11) 4522.4493 | (11) 4522.3299 | (11) 5305.0059
Rua XV de Novembro, nº 223 - Vila Arens, Jundiaí/SP
contato@sutti.com.br | (11) 5305.0059

Acordos coletivos agora podem limitar ou suprimir direitos trabalhistas: o que isso significa?

Decisão do STF individualiza ainda mais as relações de trabalho, apesar de prever respeito aos direitos indisponíveis

No início de junho, o Superior Tribunal Federal (STF) julgou que acordos e convenções coletivas que limitam ou suprimem direitos trabalhistas devem ser considerados válidos em todo o território nacional.

Embora a prevalência de normas coletivas de trabalho prejudiciais aos direitos previstos na legislação trabalhista não seja novidade no debate jurídico, pois foi inserida pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a decisão do STF demanda cautela. O novo cenário reforça que os trabalhadores estão ainda mais expostos em negociações em que eles têm, historicamente, pouco poder de barganha, ainda mais no cenário de desemprego atual.

A validade desse tipo de norma coletiva prejudicial aos trabalhadores foi reconhecida pelo STF, que julgou, no dia 2 de junho, um caso de repercussão geral (ou seja, que transcende o próprio caso específico e vale para estabelecer um entendimento sobre o tema), que questionou uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST). 

Essa decisão do TST definia a ineficácia de acordo coletivo que previa que uma mineradora – situada em local de difícil acesso e com jornada de trabalho incompatível com o funcionamento do transporte público – fornecesse o transporte para deslocamento dos empregados, mas que não precisaria pagar pelo tempo de percurso (in itinere) aos funcionários. Embora novos dispositivos inseridos pela Reforma Trabalhista tenham tentando extinguir o direito às horas in itinere, ele ainda é reconhecido pela Justiça, inclusive previsto em súmula do TST, quando configurado o tempo à disposição do empregador.

Entendendo que a lei reconhece a validade de acordos que reduzem os direitos trabalhistas e que o pagamento pelo tempo de percurso pode ser acordado em normas coletivas, o STF fixou a seguinte tese: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

A contradição dessa decisão do STF está em considerar a renúncia de direitos sobre o tempo à disposição do empregador, a jornada de trabalho, como  direitos indisponíveis, apesar disso acarretar redução salarial. No fim das contas, a decisão trata de tempo à disposição e salário, lesando um dos principais alicerces dos direitos humanos fundamentais sociais laborais.

Trabalho e fragilidade econômica

Muito mais do que regular a relação jurídica entre trabalhadores e empregadores, o direito do trabalho visa proteger aqueles que estão na base produtiva, a classe trabalhadora, que na organização social e econômica ocupam uma posição de vulnerabilidade perante os demais. Afinal, quem depende do trabalho para sobreviver não tem muitas escolhas e se submete às regras do empregador. Por essa razão, são considerados direitos humanos fundamentais sociais laborais.

Por isso, desde sua origem, principalmente com a criação da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, a legislação trabalhista, decorrente das mobilizações coletivas e greves de trabalhadores, estabelece regras sociais mínimas, visando proteger todos os trabalhadores ao mesmo tempo, na tentativa de atenuar sua condição de grupo vulnerável. 

Ao mesmo tempo, há – e sempre houve – espaço para normas protetivas mais específicas. No Brasil, a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) previu, desde sua primeira versão, a celebração do que inicialmente foram chamados de contratos coletivos de trabalho e, mais tarde, passaram a ser as convenções (firmadas entre sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais) e acordos (firmados entre entidade sindical de trabalhadores e determinada empresa). 

Criados para estipular as regras das relações individuais de trabalho, os acordos e convenções coletivas, inicialmente, só se sobrepunham à legislação vigente se fossem para conceder mais direitos, não retirá-los.

Ao reconhecer a prevalência de acordos prejudiciais firmados entre grupos específicos de trabalhadores, sejam empregados de uma empresa ou toda a categoria, o STF se volta contra a proteção coletiva dos trabalhadores e reforça a individualização das relações de trabalho. A decisão também contraria nossa própria CF/88, que prevê, em seu art. 7º, que os direitos fundamentais sociais trabalhistas devem visar a melhoria da condição social dos trabalhadores – e não o contrário.

Daí a preocupação com os trabalhadores, que passam a ser “constrangidos”, pelo próprio funcionamento da relação capitalista de concorrência na busca do lucro em detrimento dos direitos trabalhistas históricos, a aceitarem condições precarizantes, daqui para frente, para não perderem o emprego. 

Essa vulnerabilidade do trabalhador tem impactos para a própria economia do país. A sustentabilidade de um mercado interno depende de consumidores com poder aquisitivo. No caso de uma cadeia produtiva de base insegura, com baixa renda e subemprego, estabelecido com regras que precarizam as condições de trabalho e de vida, o consumo também cai e o mercado enfraquece.

Para o trabalhador é fundamental se informar sobre os seus direitos históricos e as alterações na legislação trabalhista, mantendo um olhar crítico e solidário enquanto classe, e valendo-se, sempre que entender necessária, da orientação de um profissional do Direito Social do Trabalho.

Artigo escrito por Erazê Sutti, advogado do Sutti Advogados

Leia também nosso texto sobre direitos e benefícios para quem perdeu a audição devido ao trabalho.