Manual para famílias protegerem seu patrimônio durante o processo de sucessão de bens
Katlyn Nicioli Vaz de Lima Rossi*
Perder um familiar é um processo doloroso e geralmente acompanhado por uma série de dúvidas por parte de quem fica. Além do luto, os filhos, viúvos, netos e outras pessoas próximas de quem partiu precisam lidar com os trâmites do inventário e partilha de bens. Quais serão os custos, impostos e prazos? Afinal, quem serão os herdeiros? E o que fazer se o falecido deixou dívidas?
Para tornar essas etapas mais seguras, preparamos um manual com as principais questões vivenciadas após a morte de um ente querido e explicamos como o Direito de Família colabora para proteger o patrimônio durante a sucessão.
Para começar, quais pessoas são consideradas herdeiros?
Antes de tudo precisamos entender que o conjunto de bens que será partilhado são apenas aqueles de propriedade de quem faleceu. Patrimônios de seus sócios ou a parte de cônjuges em relação a um bem, por exemplo, não entram nessa divisão. Vamos chamar esse patrimônio de herança ou espólio. Após aberta a sucessão, as posses da pessoa falecida serão transmitidas aos herdeiros:
- Necessários: Mesmo se não houver testamento, o legado será dividido entre eles automática e obrigatoriamente. De acordo com a lei, são herdeiros necessários: os descendentes (filhos, netos e bisnetos), para os quais os bens são destinados em primeiro lugar; ascendentes (pais e avós), em segundo lugar, e, não havendo outros herdeiros, os cônjuges. Esses familiares têm a garantia de receber a metade da herança depois de serem descontadas do espólio as dívidas e despesas.
Observação: Filhos de diferentes uniões ou gerados fora do casamento, mesmo que se apresentem após o falecimento, possuem os mesmos direitos que os outros enquanto herdeiros.
- Facultativos: Caso não ajam descendentes e cônjuges, as posses serão direcionadas para os herdeiros colaterais e facultativos (irmãos, tios, primos e sobrinhos).
- Testamentários: São herdeiros apontados pela pessoa falecida em seu testamento como as pessoas que terão acesso a seus bens. Se quem morreu deixou herdeiros necessários, a sucessão testamentária transferirá os outros 50% do patrimônio não distribuídos a eles. Não precisam ser parentes de quem morreu.
- Legítimos: São herdeiros previstos por lei, englobando os necessários e facultativos. Caso a pessoa falecida não tenha deixado filhos, netos, bisnetos, pais, avós, cônjuges, irmãos, tios, primos e sobrinhos, seu espólio será transferido para o poder público (municipal ou federal).
- Legatórios: Recebem um bem específico do legado por meio do testamento. Pode ser uma posse móvel ou imóvel, incluindo valores para seu sustento, alimentação, estudos ou tratamento de saúde.
Como fica a viúva ou viúvo?
O cônjuge de quem faleceu é considerado o que chamamos de meeiro. Ele recebe a metade dos bens comuns do casal, mas a divisão exata dependerá do regime de bens escolhido em sua união.
- Se os dois se casaram com comunhão universal de bens, ou seja, com direito a metade de todo o patrimônio conquistado antes e depois do matrimônio, o viúvo tem direito à metade dos bens totais. Se tiverem filhos, o cônjuge será meeiro (com metade dos bens) de todo o patrimônio e os filhos herdeiros. Por exemplo, se os pais casados nesse regime eram proprietários de uma casa e um deles vier a falecer, o outro continuará como dono de metade desse bem, enquanto os descendentes terão direito à divisão dos outros 50% da propriedade. Caso não existam filhos, pais vivos ou testamento, o cônjuge será meeiro e herdeiro, herdando a totalidade dos bens.
- Mas se o casal preferiu o regime de comunhão parcial de bens, cada um deles tem direito a metade das posses adquiridas depois do casamento. Caso um dos dois venha a morrer, o outro terá acesso à metade do patrimônio construído durante a união, como meeiro, e “concorrerá” junto com os filhos e pais, como herdeiro, dos bens conquistados pelo falecido antes do casamento.
O que fazer em vida?
Existem medidas que podemos tomar em vida para garantir uma liberdade de deixar expresso como nosso patrimônio será distribuído depois de nossa morte. A mais importante delas é fazer um testamento e em caso de dúvidas, é importante consultar um especialista em Direito de Família.
Reforço um ponto: apenas 50% do espólio pode ter seu destino determinado por essa ferramenta. A outra metade será de direito dos herdeiros necessários.
Mas por que vale a pena fazer essa declaração de sua vontade?
Por meio dela, é possível destinar parte dos bens a uma instituição de caridade, empresa, ou pessoa que não seja da família e se assegurar de que essa herança será recebida. O testamento é um meio de garantir que o cônjuge herde uma parte maior do patrimônio do que ele receberia como meeiro. Vamos supor que o casal viva de aluguel e que apenas 50% desse valor recebido pela locação seja insuficiente para a subsistência do viúvo, o testamento pode resolver esse problema.
Outra possibilidade, é determinar que uma parte dos bens seja recebido por uma pessoa que fique responsável por cuidado de um animal doméstico (que no Brasil não pode ser herdeiro direto).
No caso de uma relação extrema com um de seus herdeiros necessários, em que sofreu injúrias, abusos, negligência, é possível também deserdar essa pessoa por meio do testamento.
Como fazer o testamento?
Para realizar esse registro de como será o destino de 50% de seu patrimônio, uma possibilidade é ir até o cartório fazer o chamado testamento público, feito na presença de um tabelião e duas testemunhas. O conteúdo ficará sob sigilo e será revelado aos herdeiros após a apresentação da certidão de óbito.
As alternativas a esse tipo de testamento são:
- Testamento cerrado, no qual o testador ou alguém de sua confiança escreve o documento fechado, levado em cartório para ter seu termo de aprovação. Todas as suas folhas devem ser numeradas e assinada pelo proprietário dos bens. O documento só será aberto depois da morte por um juiz.
- Testamento particular, elaborado pelo dono dos bens a serem distribuídos, sem precisar da presença de um agente público. O documento é lido e assinado por três testemunhas de confiança, que serão responsáveis por comprovar que o testamento é legítimo e apresentá-lo em juízo após a morte do testador. Precisa ter o reconhecimento de firma.
O que fazer após o falecimento de um familiar?
O momento de luto é difícil, mas caso a pessoa que faleceu deixou um patrimônio, quem sobreviveu terá de tomar alguns passos para preservá-lo:
- Pesquisar se o falecido deixou um testamento na Central de Testamentos.
- Se não houver, emitir uma certidão negativa de testamento para garantir que o patrimônio seja destinado apenas aos herdeiros necessários.
- Abrir um inventário no prazo de 60 dias após a morte para evitar multa de até 20% sobre o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
- Buscar o acompanhamento de um advogado para esse processo, seja o inventário consensual e extrajudicial por não haver conflitos entre os herdeiros, ou judicial, em caso de litígio.
- Recolher o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) que terá valor equivalente a 4% do valor dos bens.
- Registrar o inventário na matrícula de imóveis, caso a pessoa que morreu tenha deixado esse tipo de propriedade como herança
Outra possibilidade é fazer a renúncia da herança se for desejo de um dos herdeiros. Porém, vale destacar que se a intenção de um filho ao tomar essa medida é de que os bens sejam transferidos para netos do falecido, será necessário que todos os descendentes do mesmo grau (ou seja, seus irmãos) renunciem também.
O falecido deixou dívidas, e agora?
Os herdeiros podem ficar tranquilos que estão protegidos por lei e não terão de arcar com as dívidas de quem faleceu. A lei determina que o a cobrança desses débitos nunca seja maior do que o espólio, ou seja, do que o patrimônio deixado pela pessoa que morreu. Se as pendências tiverem um valor superior à herança, o restante não será pago. Caso o herdeiro sinta que está sendo lesado numa cobrança de dívida, é importante buscar o apoio de um advogado.
* Katlyn Nicioli Vaz de Lima Rossi é advogada do Sutti Advogados Associados, especialista na área cível, atendendo demandas do público relacionadas a Direito de Família e Direito do Consumidor.