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Vida além do trabalho: o que você faria com o fim da escala 6×1?

Reduzir a jornada de trabalho cria um ambiente onde o trabalhador tem mais tempo para descanso, família e autocuidado.

Erazê Sutti*

Se você tivesse mais tempo livre, o que faria? A escala 6×1, que exige seis dias de trabalho com 44h/semanais e só permite um de descanso. Por isso o debate sobre a redução da jornada semanal ganhou força com a proposta da deputada Erika Hilton.

Embora a CF/88 e a CLT garantam limites à carga semanal de trabalho, e intervalos para refeições, a realidade de quem trabalha é outra. A falta de fiscalização deixa muitos trabalhadores vulneráveis a abusos e condições desgastantes.

O que é a escala 6×1 e como ela funciona?

A escala 6×1 exige que o trabalhador atue por seis dias consecutivos, com direito a apenas um dia de descanso. Essa rotina é amparada pela Constituição Federal (CF/88) e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que estipulam uma jornada máxima de 44 horas semanais, divididas em até oito horas diárias. Além disso, a legislação prevê intervalos obrigatórios:

•          Pelo menos 11 horas de descanso entre uma jornada e a próxima;

•          Intervalo de 1 a 2 horas para quem trabalha mais de 6 horas por dia;

•          Descanso semanal remunerado mínimo de 24 horas, preferencialmente aos domingos.

No entanto, na prática, muitas dessas garantias são desrespeitadas, especialmente em setores que adotam escalas especiais, como o comércio e a segurança privada. Esse modelo frequentemente compromete o descanso necessário para a recuperação física e mental.

Como fica a saúde do trabalhador?

Viver para trabalhar, sem pausas adequadas, cobra um preço alto. Vamos pensar em como essa realidade tem afetado empregados no Brasil:

Saúde física: Longas jornadas, especialmente em atividades insalubres ou extenuantes, estão associadas ao aumento de doenças ocupacionais, como lesões por esforço repetitivo (LER) e problemas cardiovasculares.

Saúde mental: Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros enfrentam síndrome de burnout, resultado do estresse crônico no trabalho. A sobrecarga, somada à falta de descanso adequado, reduz a resiliência emocional, levando a quadros de ansiedade, depressão e outros transtornos psicológicos.

Qualidade de vida: Rotinas de trabalho excessivas também afetam o convívio social e familiar, limitando o tempo para lazer, autocuidado e interações significativas com amigos e familiares.

Estudos mostram que não se trata apenas de dormir mais, é necessário ter momentos de descanso para cuidarmos de outros campos da nossa existência. A médica Saundra Dalton-Smith tem uma palestra para o TED Talks bem interessante em que identifica sete tipos de descanso necessários para o bem-estar: físico, mental, emocional, sensorial, criativo, social e espiritual.

Afinal, nosso corpo e nossa mente precisam se recuperar do cansaço, mas também precisamos de tempo para lidar com nossos sentimentos, nos afastarmos de excessos de estímulos como barulhos, luzes e telas do mundo atual, além de oportunidades reais para expressar nossas inspirações criativas, conviver com pessoas queridas e nos conectarmos com nossa fé. Será que o fim da escala 6×1 não colaboraria nesse sentido?

O que propõe a nova emenda constitucional?

A deputada Erika Hilton apresentou uma proposta para alterar o inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal, reduzindo a jornada semanal de 44 para 36 horas, distribuídas em quatro dias de trabalho. O texto ainda exige ajustes para garantir que a redução da jornada não seja acompanhada por aumento de compensações ou abuso de horas extras e que os trabalhadores realmente usufruam do descanso que merecem. Mas a proposta tem um objetivo claro: priorizar o descanso e a qualidade de vida do trabalhador.

Jornada menor = produtividade maior

A redução da jornada semanal para 32 ou 36 horas, com quatro dias de trabalho, já foi testada por empresas pelo mundo. No Reino Unido, um experimento com semanas de trabalho mais curtas resultou em maior produtividade, bem-estar e satisfação dos trabalhadores, além de menores índices de absenteísmo.

Isso comprova que mais descanso significa mais produtividade, menos adoecimento e mais tempo para o que realmente importa.

Uma luta antiga mais antiga do que parece

A luta pela redução da jornada de trabalho não é nova. Desde a Revolução Industrial, movimentos trabalhistas buscam equilibrar trabalho e vida pessoal. A divisão clássica do dia em 8 horas de trabalho, 8 de lazer e 8 de descanso é um marco desse esforço discutido durante o século XIX.

Repensar a escala 6×1 é mais do que uma questão de modernização; é uma necessidade para proteger a saúde, a dignidade e os direitos dos trabalhadores.

Como afirmou a deputada Erika Hilton, a redução da jornada deve ser vista como prioridade em um país onde o trabalho excessivo é causa de sofrimento e adoecimento.

De outro lado, o progresso tecnológico permite um aumento de produtividade e de controle da produtividade do trabalhador, o que vem acarretando piora em sua condição física e biológica de atuação, afora a pressão psicológica que vem causando uma “epidemia” de doenças mentais relacionadas ao trabalho.

A proposta de uma jornada de quatro dias por semana, com redução de jornada e manutenção do salário, é um passo importante para humanizar as relações de trabalho, mas precisa de ajustes e fiscalização rigorosa para ser eficaz. No final, o trabalho deve ser um meio de sustento e realização, não um fardo que compromete o bem-estar e a dignidade dos trabalhadores.

Somado a isso, a manutenção da renda da classe trabalhadora e o aumento da possibilidade de convívio social permite um giro maior do dinheiro na economia, melhorando a roda da fortuna ao invés do atual quadro de concentração da renda e da riqueza nas mãos de cada vez menos pessoas por aqui e no planeta.

Mais do que possível, a mudança é necessária. Já passou da hora de colocar o ser humano no centro das discussões sobre trabalho, respeitando seus limites e promovendo uma vida social além das fronteiras do emprego e de sua exploração.

Falei sobre o tema também em artigo publicado em site da ABRAT. Convido vocês a clicarem aqui e lerem por lá também para amplificarmos essa discussão tão importante.

* Erazê Sutti é advogado especializado em Direito do Trabalho. Sua trajetória na advocacia começou em 1997. É sócio-fundador do Sutti Advogados Associados. Presidente da AATJ (2023/2026), conselheiro seccional presidente da Comissão da Advocacia Assalariada da OAB SP (2022/2024). É pesquisador integrante do GPTC-USP (desde 2018) e do NTADT-USP (desde 2020). É Vice-diretor da Escola Superior da Advocacia da ABRAT (2024/2026), onde é docente desde 2018. É autor de diversos artigos publicados em livros.