Como a Justiça garante o amparo das crianças quando os pais se divorciam?
Katlyn Nicioli Vaz de Lima Rossi*
Mesmo em histórias de divórcio amigável, quando os casais com filhos se separam, a vida das crianças passa por um momento de abalo. Afinal, o convívio em família passará inevitavelmente por mudanças drásticas. Sempre existe a dúvida: como ficará a guarda dos filhos? Onde será fixada a residência das crianças? E como fica o direito à visita?
Para amenizar os efeitos emocionais desse processo, as leis do Direito Familiar e da Proteção à Infância e Adolescência definem obrigações dos familiares responsáveis pelo amparo aos filhos. Independentemente do tipo de guarda, os adultos responsáveis pelos menores terão o dever de zelar, cuidar, proteger a saúde física, psicológica, a educação e o desenvolvimento dos filhos. Quer saber como esses mecanismos funcionam na prática? Entendê-los evita conflitos e negligência em relação às crianças. Respondo abaixo às principais dúvidas de familiares sobre guarda de menores, direito à visita e alienação parental:
Quais os tipos de guarda possíveis?
A Justiça da Vara de Família reconhece e aplica três tipos diferentes de guarda. Vale destacar que o acordo sobre os filhos após o divórcio será definido por via judicial, ouvido pelo Ministério Público e homologado por juíza ou juiz.
Guarda unilateral ou exclusiva: é determinada pelo juiz quando o ex-casal não chegar a um acordo. Este tipo de guarda atribui a somente um dos genitores as responsabilidades e decisões sobre educação, saúde, segurança e lazer do menor. O outro genitor, apesar de não ter a obrigação, não se isentará de exercer o poder familiar, tendo direito às visitas, o dever do pagamento de alimentos e o acompanhamento das decisões tomadas.
Guarda compartilhada: é visto como via de regra, podendo ser imposta pelo Juiz mesmo quando o ex-casal não requerer. As responsabilidades e decisões sobre a vida do menor são exercidas em conjunto pelos pais separados, de modo a assegurar aos filhos a convivência e o aceso livres a ambos. Neste modelo de guarda a residência do menor é fixada no endereço de um dos genitores.
Guarda alternada: não é disciplinada na Legislação Brasileira, porém, na prática tem sido bastante aplicada. Somente é autorizada quando existe uma harmonia entre o ex-casal, pois o tempo de convivência do menor é dividido entre os pais, podendo ser quinzenalmente, mensalmente, semestralmente, ou o que melhor se encaixar na rotina dos genitores e menor. Neste caso, as responsabilidades e decisões sobre a vida do menor são atribuídas exclusivamente ao genitor que estiver exercendo sua alternância.
Guarda Nidal: modalidade de guarda não disciplinada e não aplicada no Brasil. A expressão vem do latim nidus que quer dizer ninho. A alternância da residência é realizada pelos pais, o menor é mantido em uma residência fixa e os genitores são quem se retiram da residência, retornando em determinados períodos pré-fixados. A guarda nidal é interessante pelo fato de que a criança não precisa alterar a sua rotina, porém não é prático e nem utilizado.
Como é decidida a residência fixa da criança na guarda unilateral ou compartilhada?
A fixação da residência do menor ocorre pelo genitor que oferece “melhores condições” para o seu exercício, assim considerando o que revelar aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: “I — afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar, II — saúde e segurança; III — educação” (CC, art. 1583, parágrafo 2º).
A Vara da Infância considera critérios como a afinidade da criança com o genitor, a estrutura que a moradia oferece para seu desenvolvimento e a disponibilidade daquele adulto para cuidar das necessidades do filho. O objetivo sempre é que a criança cresça em um lar responsável, saudável e feliz.
Como funciona o direito à visita?
De acordo com o art. 1.589 do Código Civil, “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.
O pai ou a mãe que cuja guarda não estejam com os filhos continuará a ter a permissão de manter os laços de afetividade e acompanhar o desenvolvimento físico e psíquico do menor através das visitas determinadas em acordo ou impostas por um juiz.
O genitor que só detém o direito de visitas não pode se eximir de exercer o pátrio poder, devendo acompanhar se o filho tem sido bem cuidado, se tem acesso adequado à alimentação, lazer, preservação da saúde e educação. Vale destacar que o direito à visita não é uma garantia apenas dos pais, também beneficia a criança e se estende a outros integrantes da família, como avós.
Se a criança for negligenciada, o outro genitor pode entrar com pedido de mudança da guarda?
Sim, a alteração da guarda parental pode ser solicitada por qualquer um dos genitores que não detém a guarda. É possível alterar a modalidade e o guardião da criança quando existe a comprovação de maus-tratos ou falta de assistência básica ao menor. A orientação é que, se o outro genitor tiver suspeitas de negligência, abuso, agressão, ele reúna provas e testemunhos para apresentá-los à Vara de Infância com a solicitação de alteração.
Em casos excepcionais, é possível também transferir a guarda para outros familiares, como os avós e tios, quando os pais não têm condições para cuidar de forma integral da criança e seu bem-estar está em risco. Antes de iniciar esse processo, é importante buscar o apoio jurídico de uma advogada ou advogado especialista em Direito de Família.
Há casos em que os familiares envolvidos decidem amigavelmente elaborar um acordo de transferência de guarda permanente ou temporária, que deverá ser apresentado à Justiça. Mas, em situações mais críticas, os avós ou tios podem entrar litigiosamente com a reivindicação da guarda. Importante ressaltar que os parentes terem uma condição financeira melhor que a dos pais não é motivo suficiente para a transferência. É necessário existir risco para os direitos básicos da criança.
Como é definida a pensão alimentícia?
O genitor que não detém a guarda do menor, deverá dar assistência ao filho de forma alimentar por meio da pensão. Para essa fixação é respeitado o binômio “necessidade/possibilidade”, sendo avaliada a necessidade do alimentando e a capacidade financeira do alimentante.
Se o alimentante não cumprir com suas responsabilidades quanto a pensão alimentícia, deverá aquele genitor que detém a guarda cobrar os alimentos por meio de ação de execução sob o rito de prisão (artigo 528 CC que tem por objeto a cobrança dos três últimos meses que constam em aberto, mais daqueles que forem se vencendo no curso do processo), e sob o rito de penhora (artigo 523 CC que permite bloqueio contas bancárias, imposição de restrição em veículos e outros meios constritivos).
Caso haja indícios de má aplicação ou mau uso da pensão alimentícia, o alimentante poderá ingressar com ação de prestação de contas, não necessitando de comprovação prévia. Em maio de 2020, a 3ª Turma do STJ interpretou-a, por maioria apertada de votos, como autorizou o uso de prestação de contas em pensão alimentícia. Até então, a jurisprudência era no sentido de que ela não seria cabível, pois as verbas pagas em alimentos são irrepetíveis.
O que é considerado alienação parental?
A alienação parental acontece quando o guardião da criança dificulta o convívio do outro genitor e seus familiares com o filho, quando desqualifica sua conduta perante o menor ou quando muda para um domicílio muito distante sem justificativa. Trata-se de uma influência emocional que prejudica a formação de laços afetivos com o outro genitor, o que também gera efeitos psicológicos negativos para o menor.
Infelizmente, essa acusação tem sido utilizada corriqueiramente por ex-cônjuges que praticavam violência doméstica contra a outra parte, para continuar a exercer uma pressão sob a vítima após o divórcio. Por isso, a alienação precisa ser investigada com um estudo psicológico com a criança e comprovada perante a Justiça. Não existe previsão de punição penal para a alienação parental, pois ela não é considerada crime no Brasil, mas se essa influência negativa sobre a criança for provada judicialmente, pode resultar na troca ou retirada da guarda.
Qual a principal orientação para casais que têm filhos e pretendam se separar?
O ideal seria que todo ex-casal fizesse um acordo em relação à guarda, visitação e pensão. Não utilizando os filhos para atingir o ex-companheiro, evitando assim envolver as crianças nesse processo dolorido. Se houver conflitos, que seja pelos bens, mas preservem as crianças. Não deixem a emoção, o sentimento de rancor ou vingança influenciar o tratamento dos menores nesse processo. Entrem em um acordo que seja mais favorável aos filhos e não os exponha às situações de disputa.
* Katlyn Nicioli Vaz de Lima Rossi é advogada do Sutti Advogados Associados, especialista na área cível, atendendo demandas do público relacionadas a Direito de Família e Direito do Consumidor.