Existem motivos específicos para a dispensa por justa causa, em outros casos ela não é permitida e em alguns é possível a reversão do pedido de demissão involuntário
Erazê Sutti*
A demissão por justa causa é um dos assuntos mais importantes quando pensamos no direito do trabalhador, já que impacta em sua renda e no recebimento de direitos rescisórios. No entanto, a reversão dessa demissão também é uma possibilidade, caso a empresa tenha cometido práticas abusivas e se não houve nenhuma infração contratual por parte do trabalhador.
Dessa forma, é importante entender quais os requisitos para a justa causa, quando isso não é permitido, se existe de fato uma estabilidade e quando e como reverter a demissão por justa causa.
No Brasil, sempre que um trabalhador é mandado embora sem justa causa, há uma série de direitos que precisam ser respeitados:
- Aviso prévio;
- Saldo de salário;
- Férias proporcionais;
- Multa do Fundo de Garantia;
- Seguro-desemprego.
E toda essa indenização é prevista em lei, pois todo contrato de trabalho tem como natureza uma relação recorrente e duradoura. Ou seja, a regra é que ele se conserve por um longo tempo, já que influencia a capacidade de sobrevivência do empregado. Excepcionalmente, existem casos de contratos com tempo pré-determinado para encerramento, quando o vínculo se encerra.
CONDIÇÕES PARA UMA JUSTA CAUSA
Primeiramente, a demissão por justa causa deve ser sempre encarada como pena a uma infração contratual. Para aplicá-la, é crucial não misturar vida particular com a profissional. O empregador não controla seu funcionário fora do ambiente de trabalho, muito menos pode penalizá-lo por ficar ofendido por algo que o empregado faz ou fez em sua vida pessoal e sem ofensa direta ao empregador.
Muitas vezes, o uso da justa causa é inclusive utilizado de forma abusiva, a fim de punir o trabalhador ou para evitar que a empresa pague todos os direitos devidos. Segundo o artigo 482 da CLT, existem alguns requisitos claros que caracterizam uma demissão por justa causa:
- Ato de improbidade que revela desonestidade, abuso de confiança, fraude ou má-fé. Ex: furto, adulteração de documentos pessoais ou pertencentes ao empregador.
- Incontinência de conduta ou mau procedimento. Ex: ofensa ao pudor, pornografia, obscenidade, desrespeito aos colegas de trabalho e à empresa.
- Concorrência desleal com o empregador. Ex: desrespeitar expressamente o contrato de trabalho ao prestar serviço a outra empresa, prejudicando a reputação e negócios do contratante.
4. Condenação criminal transitada em julgado, quando não cabe mais recurso.
5. Ofensa ou agressão física, salvo em caso de legítima defesa.
Porém, algumas situações que antigamente geravam justa causa hoje não valem mais, como a embriaguez habitual em serviço. Isso porque a embriaguez atualmente pode ter caráter de doença, então se o empregador demitir um empregado que tenha dependência ao álcool, essa demissão é inválida e deve ser revertida, pois é considerado abuso de direito do empregador, que deveria tratar da saúde do trabalhador, ao invés de puni-lo.
REVERSÃO DA DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA
Como o princípio do trabalho é que ele seja duradouro, o empregador não pode dar uma justa causa sem que a gravidade seja relevante o suficiente para justificar tão grave punição.
Nesse sentido, a demissão por justa causa por desídia (ato de se esquivar de esforço físico ou moral, por desleixo, negligência etc.), quando decorrente de comportamento recorrente, depende da graduação da punição, ou seja, de prévia advertência, verbal ou por escrito, ao empregado – ou mesmo da aplicação da pena de suspensão. Eventuais condescendências do empregador, não advertidas, podem configurar perdão tácito.
Isso porque qualquer falha contratual entre as partes precisa ser alertada imediatamente, frisando-se que o ônus de provar justa causa é do empregador, e não do empregado.
Assim, quando a empresa aplica uma justa causa sem comprovação, sem apresentar os elementos graves que levaram a essa decisão, é possível uma reversão por meio de uma ação trabalhista na Justiça. Algumas convenções coletivas, como a dos metalúrgicos, determinam, ainda, que, se a empresa não comunicar a justa causa de forma fundamentada e motivada, a justa causa se torna inválida e nula, convertendo-se a rescisão para imotivada e com pagamento de todos os direitos.
Muitas vezes, as empresas dispensam o empregado por justa causa, em fraude, para tentar escapar do pagamento das verbas rescisórias, uma prática abusiva, como, por exemplo, no caso de a empresa acusar alguém de um ato infracional que não cometeu.
Consequentemente, o empregado prejudicado por essa experiência sofre lesão ao seu direito contratual e também dano à sua honra e a seu patrimônio, pois receberá valor menor do devido, bem como não poderá ter acesso ao seguro-desemprego, sacar o FGTS, e, consequentemente, enfrentará uma série de limitações que afetam a vida profissional e pessoal.
Por outro lado, quando essa demissão por justa causa é revertida, o trabalhador não apenas pode retornar ao cargo que ocupava nos casos de estabilidade, como pode receber as verbas rescisórias faltantes e que a empresa se recusou a pagar. Nesse caso, a pessoa tem direito ao aviso prévio indenizado, férias proporcionais mais 1/3 e 13º proporcional e mais a multa de 40% do FGTS. O dano material pode ocorrer se o trabalhador passa, em sua vida particular, a acumular dívidas ou tem serviços cortados por falta de pagamentos após essa demissão abusiva, o que gera direito à respectiva reparação desses danos materiais.
QUANDO A JUSTA CAUSA REVERTIDA GERA REINTEGRAÇÃO AO EMPREGO
Na nossa legislação trabalhista, existem alguns direitos à estabilidade, pelos quais o trabalhador não pode ser demitido sem justa causa. Isso é muito comum quando envolve gestantes e pessoas com problemas graves de saúde.
No caso de uma mulher grávida e prestes a ser mãe, ela não pode ser demitida enquanto estiver de licença.
Já os eleitos para a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e os sindicalistas também possuem certa proteção contra demissões. “Cipeiros” têm estabilidade provisória com duração de dois anos, não podendo ser demitido sem justa causa. Os sindicalistas, por outro lado, têm estabilidade no cargo até um ano após o fim de seus mandatos, sendo admitida a demissão apenas em caso de falta grave devidamente apurada, a famosa justa causa.
Há casos de empregados que convivem com graves condições médicas estigmatizantes ou que estejam sem alta médica para demissão, apesar de não possuírem estabilidade típica, possuem garantia no emprego e não podem ser demitidos. Assim, tanto nos casos em que o trabalhador tem uma doença estigmatizante, como a AIDS, câncer e até mesmo a hepatite crônica, quanto nos casos em que não há alta médica para a demissão, há configuração de casos extremos em que, no estágio do tratamento, o empregado não vai conseguir emprego em outro lugar, pois a doença estigmatiza praticamente impede a contratação. Por isso, esse direito protestativo do empregador de demitir imotivadamente não pode ser superior a dignidade desse trabalhador.
Contudo, mesmo nesses casos das estabilidades, a demissão por justa causa respaldada pela lei, portanto não abusiva, pode ocorrer. Ao contrário, quando a justa causa for abusiva, a rescisão é anulada para a reintegração desse empregado na empresa.
COMO ENTRAR COM O PEDIDO DE REVERSÃO?
A única maneira de reverter uma demissão por justa causa é por meio de uma ação judicial. Seja com o apoio de um sindicato ou de um advogado trabalhista, e o primeiro passo é reunir o máximo de provas possíveis. Por exemplo, se o trabalhador está passando por vários afastamentos médicos e tem os atestados em mãos, é sempre recomendável guardar as cópias.
Depois, o advogado pode tentar fazer uma notificação extrajudicial para tentar já reverter a demissão sem processo. Caso a empresa não reverta a demissão, a ação judicial é necessária. Sempre que uma parte não quer cumprir o que deveria ser feito, quem tem que exigir e obrigar isso é o Judiciário.
Na dúvida, é sempre importante procurar orientação, pois a assinatura de um documento de pedido demissão (sem a liberdade e consciência para tanto) pode atrapalhar a defesa dos direitos do trabalhador. No caso de danos morais e mesmo materiais ocasionados pela demissão abusiva pelo empregador, há ato lesivo à honra que difama a imagem do trabalhador, cabendo assim a indenização.
Por fim, é crucial que o empregado perceba todos esses sinais que podem levar a uma justa causa abusiva e indevida, e que entenda quando está sofrendo assédio, excesso de cobrança, cobrança por metas além do aceitável etc. Conhecer seus direitos e os compromissos contratuais são quesitos indispensáveis para compreender quanto tal situação torna-se abusiva e passa dos limites.
* Erazê Sutti é advogado especializado em Direito do Trabalho. Sua trajetória na advocacia começou em 1997, quando iniciou a atuação no Sindicato dos Metalúrgicos de Jundiaí, onde até hoje advoga. É sócio-fundador do Sutti Advogados Associados. Presidente da AATJ, da Comissão da Advocacia Assalariada da OAB SP e também da equivalente comissão na ABRAT. É pesquisador integrante do GPTC-USP e do NTADT-USP, docente da Escola da ABRAT e da ESA SP. É autor de diversos artigos publicados em livros. Participa ativamente de entidades como OAB SP, ABRAT, AATJ, AATSP, ABJD, SASP e Instituto Movimento 133.