Katlyn Nicioli Vaz de Lima Rossi*
No direito sucessório, a norma é clara: todos os filhos, sejam eles oriundos de um matrimônio, união estável ou nascidos de uma relação não oficial, possuem os mesmos direitos perante a Justiça. Isso implica que, mesmo que um filho só seja identificado após a morte do seu progenitor, ele tem direito à herança, contanto que consiga comprovar a filiação, é claro.
Se o inventário já estiver aberto, será preciso refazer o processo. Os herdeiros deverão solicitar a anulação do inventário ou optar pela chamada sobrepartilha. Se não for o caso, o novo herdeiro terá o prazo legal de 10 anos para reivindicar sua parte na herança. Depois desse período, o direito de partilhar os bens é extinto.
A anulação somente ocorre quando o inventário já estiver finalizado. Quando está em andamento, deve ocorrer, previamente, o reconhecimento de paternidade, e, consequentemente, a sobrepartilha.
O que fazer numa situação familiar tão difícil?
O primeiro passo é a confirmação da paternidade. Se o falecido não reconheceu o filho em vida, esse processo pode ocorrer judicialmente e costuma ser realizado por meio de documentos, testemunhas e, se necessário, exame de DNA feito com materiais genéticos coletados dos parentes mais próximos. Uma vez reconhecido, o filho tem direito à partilha e, dependendo do caso, também à pensão por morte.
O cenário se complica quando há dois núcleos familiares, o casamento formal de um lado e uma relação duradoura não oficializada de outro. Nesses casos, é importante entender o papel do regime de bens. O cônjuge sobrevivente sempre terá direito à sua meação, ou seja, a parte que já era dele no patrimônio construído durante o casamento. A herança só recai sobre a parte do parceiro que morreu. Portanto, não se mexe na parte da viúva ou viúvo, apenas na metade do falecido.
Já a pessoa que vivia com o falecido em uma união paralela, mesmo que por anos, não terá direito à meação ou herança se o falecido ainda estivesse casado. A legislação brasileira não reconhece duas uniões ao mesmo tempo, a exceção ocorre se ficar comprovada a separação de fato e a constituição oficial de nova família, com convivência pública, contínua e duradoura.
E a pensão por morte, como fica?
Esse é outro ponto que merece atenção. Em certas situações, no INSS, o benefício pode ser dividido entre mais de uma companheira, contanto que ambas demonstrem dependência e coabitação. No entanto, na Justiça, geralmente ganha quem iniciou a relação formal ou iniciou primeiro, a menos que existam evidências de que houve uma separação real, mesmo que não oficializada, e que uma nova estrutura familiar foi estabelecida.
Se o falecido tiver deixado um testamento, ele terá a liberdade de dispor livremente de até 50% dos bens, denominados disponíveis. Os outros bens da outra metade do patrimônio são legalmente destinados aos herdeiros necessários. Mesmo que um filho não reconhecido não esteja incluído no testamento, ele ainda pode receber sua parte, contanto que comprove judicialmente a relação de filiação. Ele não poderá interferir na parte testamentária regular, exceto se provar que foi excluído desse percentual testamentário por desconhecimento de sua existência – a prova deve ser sólida e robusta para atingir esse resultado.
Em todos esses contextos, o que mais se nota são sofrimentos intensificados pela ausência de informação e atraso nas decisões cruciais. O perigo de não formalizar relações, não registrar filhos ou não fazer um testamento é estabelecer um terreno propício para conflitos e injustiças que podem perdurar por anos.
Se você conhece um caso em que outro herdeiro surgiu após a morte do pai, pense na importância da orientação jurídica ocorrer imediatamente. Seja para os irmãos, seja para quem descobre ser filho oculto de alguém já falecido. Não espere! O tempo pode dificultar a partilha de bens ou gerar processos dolorosos, desgastantes e demorados. A Justiça pode ser lenta, mas a lei é clara: filho é filho, sem distinção e discriminação. E tem direito à sua parte na herança, mesmo que o reconhecimento ocorra depois do falecimento, dentro do prazo prescricional de 10 anos.
*Katlyn Nicioli Vaz de Lima Rossi é advogada do Sutti Advogados Associados, especialista na área cível, e atende demandas relacionadas ao Direito de Família e Direito do Consumidor.
