Katlyn Nicioli*
Você contratou um plano de saúde com a expectativa de ter segurança completa e acreditava que, por mais grave ou delicado fosse o seu quadro, seria amparado. Mas chegou o momento de usar o plano de saúde em decorrência de um problema e você vê a sua segurança não ser respeitada pelo plano. Ou seja, você procura atendimento psicológico ou psiquiátrico, e depara-se com negativas, trocas surpreendentes de terapeuta ou reajustes de mensalidade inexplicáveis.
Foi justamente essa frustração que levou Ana (nome fictício) a buscar ajuda jurídica. Há meses vinha lidando com crises de ansiedade, insônia crônica e um cansaço existencial que se aprofundava. Ao buscar seu plano, foi informada de que “consultas psicológicas não são prioridade” e que “vai ter limite de sessões por ano”. Quando insistiu, ouviu que seu terapeuta não faz mais parte da rede. Em meio ao turbilhão emocional, sentiu-se duplamente vulnerável perante o próprio sofrimento, mas também diante de uma burocracia e falta de atendimento do plano de saúde.
Esse encontro de desproteção com desamparo institucional é mais comum do que se imagina. Nessa brecha muitos direitos são violados. Mas, calma, nem tudo está perdido. Há leis e decisões recentes, além de assessoria jurídica especializada, que podem reverter esse cenário!
Os principais problemas que surgem quando a saúde mental precisa de cobertura do plano de saúde
Antes de falarmos dos direitos e como exercê-los, é importante entender o que frequentemente acontece. Afinal, só quem já viveu sabe o peso de cada barreira. Dessa forma, veja quais são os obstáculos mais recorrentes:
a) Limitação ou recusa de sessões
Lembramos que em anos passados, havia um número de sessões limite disponibilizadas pelo plano de saúde para consultas, de cinco a dez, por exemplo, mas essa condição não contempla a realidade das doenças mentais. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) acabou com a restrição do número de consultas e sessões para psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e fisioterapeutas em casos de transtornos mentais.
De fato, essa limitação era historicamente usada pelas operadoras como forma de cerceamento. Encerrava-se o tratamento antes que ele pudesse surtir efeito. Em alguns casos, isso criava rupturas abruptas, deixando a pessoa desprovida de suporte.
b) Reajustes abusivos de mensalidade
Outra queixa comum entre usuários, é que o plano “subitamente” impõe um percentual de aumento que parece desproporcional. Contudo, a regra é que o plano de saúde individual ou familiar tem que ser reajustado conforme a autorização da ANS, não sendo permitido simplesmente que ocorra um reajuste abusivo. Os aumentos devem obedecer às regras regulatórias, não à simples decisão do operador.
c) Mudança de terapeuta sem aviso ou descredenciamento repentino
Imagine estar em meio a um processo terapêutico delicado, com vínculo criado com um terapeuta, e descobrir que ele não está mais na rede de profissionais ofertada pelo plano de saúde. Embora não haja lei específica que proíba essa troca, em casos sensíveis (por exemplo, que envolvem crianças com autismo) é possível justificar judicialmente a manutenção do profissional ou o reembolso do pagamento ao plano de saúde caso não haja alternativa.
d) Negativa de cobertura para diagnóstico ou tratamento não convencional
Alguns planos argumentam que o problema emocional não é “doença” ou que o tratamento solicitado é “estético”, “meramente psicológico”, e, portanto, não obrigatório. Outros se escudam em “cláusulas contratuais” de exclusão. Mas, quando o tratamento está incluído no rol da ANS, a recusa é abusiva por si só. Se o tratamento estiver fora desse rol, pode-se ainda recorrer com laudo médico para demonstrar a necessidade.
e) Descontinuação de home care ou suporte intensivo
Em situações complexas, como pacientes com comorbidades físicas e transtornos mentais, o plano pode decidir interromper um serviço de home care ou restringir suporte contínuo, o que não é correto.
Os planos de saúde têm o dever de custear o tratamento em regime de home care sempre que houver prescrição médica e o procedimento for equivalente à internação hospitalar. Nesses casos, o atendimento domiciliar não é um benefício opcional, mas uma forma de garantir a continuidade do tratamento do paciente com segurança e dignidade. Negar o home care sob a alegação de ausência de previsão contratual ou no rol da ANS é considerada prática abusiva, conforme entendimento consolidado dos tribunais e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconhecem o direito do consumidor à cobertura integral do tratamento indicado pelo médico.
f) Planos coletivos que deixam de garantir continuidade
No âmbito dos planos coletivos (de uma empregadora, por exemplo), muitos segurados descobrem que, quando perdem o vínculo, seja por demissão, aposentadoria, etc., o plano é cancelado ou transformado unilateralmente em particular com valores altos ou até cortados. E essas situações podem coincidir com períodos em que se começa o necessário tratamento mental.
Diante disso, a pessoa deve procurar um profissional de sua confiança para avaliar se há direito de manutenção do plano coletivo ao funcionário demitido no caso de custeio parcial fixo em holerite e demais requisitos previstos em lei.
E como buscar os seus direitos diante de medidas abusivas dos planos de saúde?
Identificados os possíveis abusos, vamos entender seus direitos, com respaldo legal, regulatório e jurisprudencial, e como usá-los.
Cobertura para saúde mental: previsão legal e regulatória
A Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98) estabelece que os planos devem oferecer cobertura para todas as doenças e lesões reconhecidas, incluindo as mentais. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) define o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que funciona como um menu mínimo obrigatório de atendimentos, consultas e terapias que todas as operadoras precisam garantir. Desde outubro de 2022, foram eliminadas as limitações de número de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e fisioterapeutas quando há diagnóstico de transtorno mental e recomendação profissional.
Além disso, a ANS ampliou a cobertura para pessoas com Transtornos Globais do Desenvolvimento (como o autismo), reforçando que nenhuma operadora pode negar atendimento ou restringir terapias indicadas. Em termos práticos, isso significa que doenças mentais e condições psicológicas devem ter o mesmo tratamento e a mesma prioridade que doenças físicas, sendo qualquer discriminação ilegal.
Quais são os direitos específicos e como exercê-los?
Todo paciente que tem indicação médica para tratamento psicológico ou psiquiátrico possui o direito a um número ilimitado de sessões, desde que o profissional responsável justifique a necessidade com laudo e código da Classificação Internacional de Doenças (CID). As terapias complementares, como fonoaudiologia e terapia ocupacional, também estão incluídas quando fazem parte do plano terapêutico.
Em situações em que o plano não dispõe de profissionais ou clínicas adequadas na rede, o paciente pode solicitar reembolso integral dos valores pagos, mediante comprovação de que não havia opção disponível. Nos casos em que há vínculo terapêutico consolidado, quando a pessoa já tem afinidade e progresso com determinado terapeuta, é possível solicitar judicialmente a manutenção do profissional ou o custeio particular, se o descredenciamento for recente.
Também é direito do beneficiário ter internação psiquiátrica custeada quando houver indicação médica e ausência de alternativas seguras.
Já em relação aos reajustes, qualquer aumento deve obedecer aos índices autorizados pela ANS. Se houver dúvida, o consumidor pode solicitar à operadora a planilha detalhada com os percentuais aplicados e sua base de cálculo.
Nos planos coletivos, quem perde o vínculo empregatício e preenche os requisitos legais, pode exigir continuidade ou, ainda, adaptação razoável do plano individual oferecido, desde que arque com os custos correspondentes. Mas a operadora deve provar a equivalência dos valores cobrados. E, em qualquer hipótese de negativa, o segurado tem direito a receber justificativa formal por escrito, com base contratual e fundamentação técnica.
O caminho é mesmo reivindicar os seus direitos
Quando o beneficiário está em apuros, não basta apenas relatar o ocorrido, é necessário que seja provado o que está acontecendo e, nessa direção, a documentação e a reclamação nos meios indicados é fundamental. Por isso:
● Exija a negativas ou justificativas por escrito: nenhuma negativa deve ser apenas verbal. Peça que o plano formalize em documento todas as razões da recusa ou limitação de atendimento.
● Reúna laudos, relatórios e documentação completa: o laudo médico deve conter o CID e é essencial justificar a necessidade do tratamento.
● Interponha recurso junto ao plano de saúde: use os canais formais e protocole todos os envios de documentos. Muitos casos se resolvem nessa fase administrativa.
● Reclame à ANS: a agência pode intervir e exigir o cumprimento da cobertura.
● Ação judicial com pedido de tutela de urgência: em casos graves, a liminar pode garantir o tratamento imediato.
● Documente tudo: guarde os protocolos, e-mails, comprovantes e laudos. Esses documentos vão respaldar o que você está exigindo do plano.
● Confira cláusulas contratuais e reajustes: solicite o histórico completo e compare com os índices autorizados.
● Mobilize redes de apoio: conselhos de psicologia, associações de pacientes e defensores públicos podem oferecer orientação e suporte.
Qual a diferença de ter um advogado especializado para orientar nesses casos?
Como se trata de questões técnicas, o suporte jurídico pode trazer uma diferença estratégica.
Um advogado especializado fundamentará petições precisas, com jurisprudência atual e legislação aplicável, aumentando muito as chances de sucesso em liminares. Ele pode identificar abusos contratuais ocultos, auditar reajustes, solicitar planilhas, e requerer a manutenção de profissionais quando há vínculo terapêutico.
Além disso, poderá acionar a ANS e outras instâncias regulatórias, evitando que o cliente enfrente o processo sozinho.
Sabemos da insegurança que muitos consumidores têm de enfrentar as negativas dos planos de saúde, mas é justamente nessa hora que o conhecimento jurídico transforma medo em movimento.
Esteja consciente de que você não precisa pagar para ver seu sofrimento ignorado. Os seus momentos de fragilidade são exatamente aqueles em que os dispositivos legais devem se mover em seu favor. Nessas horas, quem entende de direito pode ser o diferencial decisivo nessa jornada.





